Especialista afirma que uso indiscriminado de Ritalina pode causar um "genocídio do futuro"
Para uns, ela é uma droga perversa. Para outros, a 'tábua de salvação'. Trata-se da ritalina, o metilfenidato, da família das anfetaminas, prescrita para adultos e crianças portadores de transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Teria o objetivo de melhorar a concentração, diminuir o cansaço e acumular mais informação em menos tempo. Esse fármaco desapareceu das prateleiras brasileiras há poucos meses (e já começou a voltar), trazendo instabilidade principalmente aos pais, pela incerteza do consumo pelos filhos. Ocorre que essa droga pode trazer dependência química, pois tem o mesmo mecanismo de ação da cocaína, sendo classificada pela Drug Enforcement Administration como um narcótico.
No caso de consumo pela criança, que tem seu organismo ainda em fase de formação, a ritalina vem sendo indicada de maneira indiscriminada, critica a pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés, docente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. “A gente corre o risco de fazer um genocídio do futuro. Mais vale a orientação familiar”, encoraja a pediatra, que concedeu entrevista, a seguir, ao Portal Unicamp.
Portal Unicamp – Há pouco tempo, faltou distribuição de ritalina no mercado brasileiro. Como essa lacuna foi sentida?
Portal Unicamp – O que é a ritalina? Como ela age?
Cida Moysés – A ritalina, assim como o concerta (que tem a mesma substância da ritalina – o metilfenidato, é um estimulante do sistema nervoso central - SNC), tem o mesmo mecanismo de ação das anfetaminas e da cocaína, bem como de qualquer outro estimulante. É certo que os prazeres da vida também fazem elevar um pouco a dopamina, porém durante um pequeno período de tempo. Contudo, o metilfenidato aumenta muito mais. Assim, os prazeres da vida não conseguem competir com essa elevação. A única coisa que dá prazer, que acalma, é mais um outro comprimido de metilfenidato, de anfetamina. Esse é o mecanismo clássico da dependência química. É também o que faz a cocaína.
Portal Unicamp – Quando a ritalina é indicada?
Cida Moysés – Para quem indica, é nos casos com diagnóstico de Transtornos de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Eu não indico.
Portal Unicamp – Quais são os sintomas principais?
Cida Moysés – A lista de sintomas é enorme. Se a criança já desenvolveu dependência química, ela pode enfrentar a crise de abstinência. Também pode apresentar surtos de insônia, sonolência, piora na atenção e na cognição, surtos psicóticos, alucinações e correm o risco de cometer até o suicídio.
Portal Unicamp – Não é pouca coisa...
Cida Moysés – Ocorre que isso não é efeito terapêutico. É reação adversa, sinal de toxicidade. Além disso, no sistema cardiovascular é possível ter hipertensão, taquicardia, arritmia e até parada cardíaca. No sistema gastrointestinal, quem já tomou remédio para emagrecer conhece bem essas reações: boca seca, falta de apetite, dor no estômago. A droga interfere em todo o sistema endócrino, que interfere na hipófise. Altera a secreção de hormônios sexuais e diminui a secreção do hormônio de crescimento.
Portal Unicamp – Quem está sendo medicado?
Cida Moysés – São as crianças questionadoras (que não se submetem facilmente às regras) e aquelas que sonham, têm fantasias, utopias e que ‘viajam’. Com isso, o que está se abortando? São os questionamentos e as utopias. Só vivemos hoje num mundo diferente de 1.000 anos atrás porque muita gente questionou, sonhou e lutou por um mundo diferente e pelas utopias. Quando impedimos isso quimicamente, segundo a frase de um psiquiatra uruguaio, “a gente corre o risco de estar fazendo um genocídio do futuro”. Estamos dificultando, senão impedindo, a construção de futuros diferentes e mundos diferentes. E isso é terrível.
Fonte: www.unicamp.br
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